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ESTADO DA ARTE



WORK IN PROGRESS



2. ARQUITECTURA E URBANISMO



2.1 INTRODUÇÃO



O séc. XXI tem sido marcado por ideias como “sustentabilidade”, “resiliência” e “smart cities” (Hoffman, 2020), como forma de abordar problemas ecológicos e sociais em contexto urbano. Contudo, por si só, estes conceitos são potenciais “empty signifiers” (Davidson, 2010; 2021), que dizem pouco sobre as implicações ecológicas, éticas, políticas, estéticas, etc., e correm o risco de ser apropriados por narrativas anti-democráticas [1], contribuindo para injustiças sociais e ecológicas (Swingedouw, 2014).


Este cenário tem vindo a suscitar o aparecimento de posicionamentos ecológicos específicos que propõem uma arquitectura “sensível às fragilidades e potencialidades de colectivos humanos e não-humanos” (Harrison, p. 33), que reposicione o conhecimento humanista, e se torne ferramenta crítica do urbanismo centrado em funções humanas (Zaera-Polo, 2017). Num plano político assistimos ao apelo para que as espécies não-humanas possam ter um “direito à cidade” [2] (Shingne, 2020), assente no desenvolvimento de relações éticas e inclusivas, que permitam um “florescimento multiespécies de futuros urbanos” (Houston, Hillier, MacCallum, Steele, & Byrne, 2017).


Procurando responder às diversas problemáticas do Antropoceno, as superfícies da arquitectura dobram-se, curvam-se, enrugam-se, e perfuram-se, em construções onde a estrutura é simultaneamente pele, a paisagem se confunde com o edificado, e o inerte se torna vivo. Entre materiais híbridos, fachadas inteligentes, sistemas sensientes e envelopes responsivos, são várias a tentativas de reconfigurar a relação da arquitectura com a pluralidade dos corpos humanos e não-humanos (Harrison, 2013). Algumas destas arquitecturas procuram desconstruir o que resta de velhos paradigmas binários, encontrando em espaços marginalizados, margens de negociação entre outros (McGaw, 2018, p. 122).


Por outro lado, assistimos nos últimos anos ao aparecimento de uma “bioarquitectura” (Senosiain, 2003; Ripley & Bhushan, 2016), termo que tem sido usado maioritariamente para designar uma arquitectura ‘biomimética’ ou ‘orgânica’. Frequentemente esta arquitectura não contém qualquer processo de organicidade ou de mimesis, ficando-se por uma “mera inspiração formalista” (Estévez, 2021, p. 12).


[1] Veja-se o exemplo de “smartcity” em cidades como Shenzhen e Chongping, nas quais a vivência comunitária é garantida através da vigilância e punição, e onde a sustentabilidade ecológica é baseada em modelos de resiliência ineficazes e até destrutivos como a ‘sponge city’.


[2] O ‘direito à cidade’ é um conceito proposto inicialmente pelo sociólogo Henri Lefebvre (1967).





2.2 BIOMATERIAIS E MATÉRIAS HÍBRIDAS




A partir do início do séc. XXI, o interesse por fungos tem sido uma das fontes de inspiração para o desenvolvimento de biomateriais aplicados à arquitectura. Contudo, entre as “mycotectures” (Phil Ross, 2014) e as torres “Hi-Fi” (The Living, 2014), ainda está por nascer o primeiro edifício que funcionará com fungos vivos, (Royal Danish Academy, 2019). No campo do betão já foi possível desenvolver tecnologias exequíveis que integram sistemas vivos. O “Betão orgânico” (extrastudio, 2005) convida a vegetação a habitar um espaço intersticial, enquanto que os betões auto-reparáveis (que utilizam desde bactérias, a enzimas extraídas de sangue humano) (Peters, 2021), procuram fechar as fendas do material.


Ao mesmo tempo assistimos a outro tipo de experiências, que reflectem mais expressivamente sobre a ética do processo de co-criação de biomateriais. Um exemplo paradigmático é o “Silk Pavilion” (The Mediated Matter Group, 2013), executado entre a agência de humanos, 6500 bichos-da-seda, e sistemas de fabricação digitais. O processo permitirá aos seres viver e metamorfosear-se em relativa tranquilidade, por oposição ao sistema tradicional, que implica ferver as larvas vivas no seu casulo para extrair os fios de seda (McGaw, 2018, p. 127). Mais recentemente assistimos a uma reflexão sobre a participação de microorganismos na matéria da construção, através da exploração de uma ‘arquitectura probiótica’ (Beckett, 2021) construída com materiais orgânicos bio-receptivos, com o propósito de proporcionar uma co-existência simbiótica entre vidas humanas e não-humanas, como é exemplo a obra “Alive: A New Spatial Contract for Multi-Species Architecture” (The Living, 2021). A obra “Bit.Bio.Bot” (EcoLogicStudio, 2021) propõe uma arquitectura experimental fundada na biotecnologia, que procura transformar agentes poluentes e toxinas em nutrientes.


Por outro lado, as explorações no campo da biologia sintética, tais como a possibilidade de uma ‘arquitectura protocelular’ (Armstrong & Spiller, 2011), propõem “fazer menos com mais”, como um caminho possível para a sustentabilidade dos materiais, a partir de trocas metabólicas com a natureza (p.24). Práticas como esta, exploram a fronteira entre organismos vivos, assemblagens químicas, e agências tecnológicas. A vida que pode haver nos materiais é um tema abordado na obra do arquitecto/artista Philip Beesley nas suas “séries hilozóicas” (2007-2015), que anima matéria através de tecnologia, criando espaços e ambientes interactivos.


Numa outra visão sobre a natureza dinâmica e potencialmente ‘viva’ dos materiais, surge desde o início do séc. XXI uma arquitectura performativa e emergente. Exemplos como Tree City (OMA, 2000) e Blur Building (Diller+Scoffidio, 2002), convidam à desmaterialização do edificado (Wolfe, 2010, pp. 203-237) ao participar com agências não-humanas, como plantas e vapor de água. Em Wind Veil (Ned Khan, 2000) é o vento que esculpe a pele da fachada. A interactividade dos materiais da arquitectura é um tema também abordado por via das práticas de “media architecture”, contudo ainda pouco explorado no âmbito ecológico (Caldwell & Foth, 2018). Uma excepção a este paradigma pode ser exemplificado pela obra Nuage Vert (HeHe, 2008), onde a componente luminosa e espectacular da instalação é usada para destacar uma nuvem de fumo industrial, construindo um discurso crítico sobre a poluição urbana, ao mesmo tempo que fabrica um nova materialidade ‘viva’.

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