A história das práticas de co-criação artística com agências não-humanas e sistemas vivos, pode ser ilustrada a partir de duas influências principais (Cizek, Uricchio, & Wolozin, 2019, p. 4) . Por um lado há uma corrente associada ao tecno-feminismo, ao pós-humanismo e aos discursos ecológicos sobre o Antropoceno, cuja linhagem remonta ao Manifesto Cyborg . Por outro lado, é sentida a influência da Land Art dos anos 60 e 70 do séc. XX, e dos movimentos de arte ecológica ligados ao território e à paisagem (Brown, 2014).
Actualmente o tema da co-criação com agências não-humanas e sistemas vivos, é abordado sobretudo no âmbito do ‘novos media’, seja a partir de práticas de híbridas ou particularmente focadas na bioarte (Myers, 2015; Berger, Mäki-Reinikka, O'Reilly, & Sederholm, 2020). Nos últimos anos verifica-se uma disseminação de práticas artísticas com certas espécies em particular, como fungos (Rapp & Meyer, 2020; Rapp, 2019) e abelhas (High, 2017). Outra tendência amplamente explorada é a sonificação da agência de plantas, formigas e microorganismos (Zukauskaite, 2019).
No âmbito de práticas híbridas, que interseccionam tecnologia e elementos biológicos, e que Ascott (2004) designa como “moistmedia”, um dos primeiros exemplos é a obra Interactive Plant Growing (Mignonneau & Sommerer, 1992), através da qual o toque humano em plantas reais regula o crescimento de plantas virtuais. A obra redefine a noção de interface como um lugar dinâmico de interacção e troca, na qual a utilização de um elemento ‘natural’ permite a emergência de um microsistema espontâneo e complexo (Hope & Ryan, 2014, p. 218).
Nos últimos anos, a actividade da bioarte e da arte híbrida decorre nos mais variados contextos, entre laboratórios de alta tecnologia, e wetlabs que promovem práticas de biohacking DIY. A Hacteria é uma plataforma online de partilha opensource de bioarte, que torna acessível a prática de biohacking num contexto artístico. Uma série de laboratórios, organizações e estruturas, promovem projectos, residências, exposições e outras actividades nesta área como SymbioticA , Art Laboratory Berlin, Bioart Society, Biofilia, NOBA, entre outros. Com a progressiva convergência tecnológica de hardware, software e wetware, emerge uma arte que deixa de ser ‘representacional’ para passar a ser performativa, interactiva e multidisciplinar. Os organismos vivos tornam-se um meio experimental para uma redescoberta da interconectividade entre humanos e não-humanos (Rapp, 2019).
Desde então uma série de trabalhos artísticos têm vindo a propor reflexões sobre a interacção com as ‘naturezas não-humanas’, alguns dos quais mais interessados numa componente tridimensional e potencialmente arquitectónica, que emerge a partir de processos co-criativos interspécies. Amphibious Architecture (The Living + Natalie Jeremijenko, 2009), é um interface de sensores submersos no rio e luzes na superfície, que comunicam a presença de peixes e a qualidade da àgua, numa assemblagem de ecologias humanas, aquáticas e tecnológicas. No desenvolvimento desta ideia com o Mussel Choir (Natalie Jeremijenko, 2012) blocos de betão submersos são transformados em condomínios de bivalves, onde biossensores ‘vocalizam’ mudanças na qualidade da água. Em A.A.I (2015) Agnieska Kurant explora deliberadamente sociedades de térmitas, por forma a fazer um comentário sobre o trabalho invisível que prestamos a companhias como a Google e o Facebook. A artista oferece às térmitas materiais coloridos como areia, ouro e, cristais, resultando em vários objectos, potencialmente arquitectónicos, numa “criação de formas híbridas, entre natureza e cultura” (Kurant, 2015) .