A produção académica, científica e artística da segunda década do séc. XXI tem sido marcada pelos debates em torno do “Antropoceno”, termo que designa uma era geológica no qual a actividade tem um papel determinante no destino dos ecossistemas planetários (Braidotti, 2016, p. 13). Crises sociais e económicas, climáticas e ecológicas, assim como o crescente desenvolvimento de novas tecnologias, precipitam uma reformulação do excepcionalismo e individualismo humano e das estruturas de pensamento humanistas e antropocêntricas. Categorias binárias como natural/artificial, humano/máquina, vivo/inerte, “deixam de estar disponíveis para pensar” (Haraway, 2016, p. 30) e para formular uma reflexão ecológica consciente da complexa interconectividade de agências humanas e não-humanas (Morton, 2010).
Como reacção a estes desafios, nos últimos anos temos vindo a assistir a uma crescente discussão filosófica sobre o “não-humano” (Braidotti, 2016, p.10), num momento que alguns autores designam como “posthuman turn” (Herbrechter, 2013; Braidotti, 2013; Nayar, 2014), “post-anthropocentric turn” (Ferrando, 2016; Braidotti, 2013), ou “nonhuman turn” (Grusin, 2015). O ‘pós-humano’ reclama que o contexto tecnológico, ambiental e social do Antropoceno necessita de uma “ecologia da complexidade”, que discuta politicamente as relações humano e não-humano, (Cudworth & Hobden, 2011, p. 45). Para além de toda a variedade de espécies não-humanas, entre animais, plantas, microorganismos e células, esta complexidade deverá contemplar também elementos ‘não vivos’, ou ‘coisas’ incluindo agências materiais e tecnológicas como “biofotões, nanoelementos e máquinas inteligentes” (Opperman, 2016).
Com as reflexões proporcionadas pelos “novos materialismos” (Coole & Frost, 2010; Barret & Bolt, 2013), “matérias vibrantes” (Bennett, 2010), “OOO” (Harman, 2010, 2018; Morton, 2013) e “realismo agencial” (Barad, 2007), assistimos a uma (re)descoberta da natureza dos materiais, que alguns autores designam como “material turn” (Mukerji, 2015), e que concebe os materiais como actores, com uma agência própria (Lange-Berndt, 2015).
Para a prática artística o interesse em agências não-humanas é um terreno fértil de exploração, que permite reflectir sobre uma série de questões importantes. O que é a vida? Até que ponto deve ser manipulada? O que é co-criar? Qual o papel das agências não-humanas? Que perspectiva ontológica e estética suscita o entrelaçamento de agências humanas e não-humanas?